O mar estava calmo naquele dia. Podia ouvi-lo de onde eu me encontrava. Tinha um som chiante leve e afinava-se quando o vento passava. Ventava pouco. Podia perceber isto. Os panos velhos na ventarola do veículo, em que eu estava deitado, denunciavam ele lá fora.
Tentei mover-me, mas não tinha força nas pernas. Pareciam cansadas de tanto correr. Não moviam, por mais que tentasse.
Olhei ao redor e vi que estava dentro do meu carro. Porém, ele estava velho e sujo de poeira. Não parecia o meu. Eu que lavava este carro quase que toda hora. Não deixava um farelinho cair no chão. Eu era um exagerado com a limpeza e sabia disso.
Procurei pelas mãos e percebi que estavam amarradas no banco. Neste momento entrei em pânico. Esta sensação destruidora que invade o corpo, dando um anseio por dentro. Coisa que já havia sentido, mas agora era tomado sem aviso. Foi quando ele apareceu.
Pôs-me sentado no banco e sentou-se ao lado. Olhou-me como quem agrada um animalzinho de estimação. Trouxera comida. E pôs no meu colo. Fez sinal que comesse aquilo.
Desamarrou-me do banco e ficou olhando.
Com muita dificuldade consegui levar até a boca um pedaço daquela coisa. Estava morna e tinha um gosto agradável. Cheiro não havia.
Ele esperou pacientemente que eu terminasse de comer. Amarrou-me novamente ao banco. E partiu.
Eu nunca o tinha visto antes, entretanto, parecia conhecê-lo.
Ali permaneci até a noite. Tinha que sair, pois o cheiro da minha urina na roupa me incomodava. Já estava com os movimentos recuperados e não ia mais ficar amarrado ao banco.
Forcei dali, daqui e consegui soltar-me. Saí do carro.
A noite estava muito escura. Estava frio lá fora. E agora ventava muito forte. Voltei para dentro.
- Não posso andar por aí sem saber onde estou.
O jeito foi passar a noite no carro e sair pela manhã.
O medo é uma emoção básica e universal que surge como resposta a uma ameaça percebida, seja ela real ou imaginária. Ele é uma reação emocional que pode variar em intensidade, desde uma leve apreensão até um pânico intenso. E neste momento, tive medo.
E com o medo, veio-me uma lembrança!
Pensei que estava dormindo na direção do carro. Mas não era isso. O veículo estava sendo levantado pela nave lá de cima. Ela veio se aproximando lentamente. Quando dei conta, já estava flutuando para dentro dela. Não queria descer do carro. Tinha medo de sair. Ele aproximou-se pela minha lateral e sinalizava que eu saísse para fora.
- Meu Deus! O que é aquilo?
Fiquei apavorado vendo aquele ser parado diante de mim. Ele olhava com curiosidade.
Era muito esquisito. Tinha o corpo escamado e todo cinza. Olhos grandes e pequenas protuberâncias na fronte. Três dedos em cada mão, com unhas longas. Possuía uma calda de lagarto.
Quando avistei seus pés, assustei-me mais. Eram dois grossos dedos abertos em "u", como se pudesse agarrar alguma coisa com eles.
Recuei dentro do automóvel, para um canto mais afastado. Pensei que estivesse diante do demônio.
Queria fugir. Se não conseguisse, estava disposto a lutar contra ele.
Mas ele sorriu para mim. Vi, então, que não me faria mal.
Tive a sensação de que ele já me conhecia.
Desci e fui até ele.
Olhou-me de cima a baixo e estendeu a mão com a palma virada para cima. Entendi que estava em paz.
Não quis pegar na mão dele porque tive medo. Ele sorriu novamente.
Entendi que não me faria mal algum e que eu deveria acalmar-me.
A respiração estava ofegante. O coração acelerado. Pensei que fosse infartar. Aquele anseio que dá no corpo quando o ar não consegue chegar aos pulmões tomou conta de mim.
Olhei para ele, que levantou a mão com a palma voltada a mim. Foi movendo de vagar um pouco acima outro a baixo. Eu acompanhei aquele ritmo.
Fui controlando a respiração e tudo voltou ao normal. Dava-me por vivo. O aperto no peito passou.
Olhei para todos os lados e pouco podia ver.
O lugar era todo branco e nada mais se via ali, além de uma escotilha e uma porta. Estava frio. Esfreguei meus braços. Ele fez com a mão para que eu esperasse. Surgiu uma névoa e a temperatura foi ficando mais agradável.
Não tinha mais medo dele. Aquela figura terrível não me incomodava mais.
Entraram outros iguais a ele com instrumentos nas mãos. Olhei para a mesa que apareceu, quando disseram para eu olhar para ela. Ela surgiu ali. Fui até lá e deitei-me sobre ela.
Não sei porquê, mas fiz isso. Ela era metálica e gelada. Mas, eu já estava calmo. Nada mais me surpreendia. Aquilo parecia-me familiar.
Eles se aproximaram de mim e me sedaram.
O frio estava me incomodando. Encolhi-me num canto e juntei as pernas firmando com os braços.
Lá fora ventava muito. Podia ouvir o uivo do vento. Vi pela janela que estava muito próximo do mar.
Lembrei-me da escotilha por onde olhava naquela sala branca. Era igual lá fora. Escuro e só via os pontinhos das estrelas brilhando.
Também fazia frio lá. Porém, o que estava sentindo no momento era mais intenso. O mar fazia o seu barulho, dizendo que estava ali. E isto me deixava muito assustado.
Não podia dormir, mas estava cansado. O medo chegou perto de mim novamente e espiou pela escotilha.
Era aquela escotilha que não me deixava em paz. Eu olhava sempre por ela. E via uma noite intensa.
Não havia nada lá fora. Tudo era somente a minha imaginação. Era o medo do espaço. Mas eu estava no carro. Só! Só eu e o carro à beira mar numa noite escura.
Os sonhos que tinha quando adormecia, me deixavam mais apavorado ainda.
O vento e o mar me entorpecia, e eu sedia ao cansaço. Outro susto me trazia o sonho. E eu acordava. Assim passei aquela noite.